Por João Rodolfo
Parte I
De repente, você, rodoviário, se torna educador em uma empresa de ônibus e se vê diante do seguinte público para dar aula:
- um senhor de 55 anos, com vasta experiência em transportes, que trabalhou no mercado informal e em viagens internacionais; dirigindo carreta ou ônibus de turismo; que obteve conhecimentos de mecânica e que, agora, resiste à ideia de que precisa ouvir tudo novamente sobre o mesmo tema.
- um senhor de 48 anos, que já fez carreira na empresa, atuando em todas as áreas operacionais, como a função de fiscal, despachante, inspetor, motorista etc.. Ele diz conhecer as leis de trânsito e, como discorda das “novas” teorias de direção econômica, espera que você tenha uma explicação sobre a necessidade de mudar de comportamento no volante.
- um rapaz de 22 anos, que conseguiu sua primeira oportunidade como motorista e, como parte da geração conectada, espera que você tenha o máximo de conhecimento tecnológico possível.
É claro que o cenário não é tão caótico assim. Encontramos muitos rodoviários cheios de vontade de aprender, gratos pela oportunidade de serem escolhidos para estarem em uma sala de aula, por poderem ouvir algo novo, ou mesmo, ter quem os ouça.
Porém, fato é que precisamos estar preparados para lidar com todo tipo de público, que conta com muitos que ainda não concluíram o Ensino Médio até aqueles com altos níveis de graduação. Fazem parte também aquelas pessoas muito motivadas a aprender e outras com nenhum ânimo para tal.
Todo educador desse público precisa lembrar que ensinar para o rodoviário é ensinar adultos!
Talvez alguém possa questionar: “E isso não é óbvio?” Sim! Porém, o tipo de abordagem a ser adotada será um tanto diferente da Pedagogia, que consiste, em sua origem, nas técnicas de ensino para a criança.
Tanto aquele senhor com vasta experiência em transporte como aquele que já atuou em várias áreas da empresa, e até mesmo aquele jovem moderno, não podem ser tratados em sala de aula da mesma maneira que uma criança seria tratada.
Andragogia entra em cena
Ao contrário dos pequenos, nós, adultos, possuímos uma bagagem e uma história. Muitos conhecimentos e experiências que, talvez, o próprio educador ainda não tenha.
O adulto tem metas de vida, tem visão de mundo (seja positiva ou negativa) e precisa alcançar razão, valor, significado, para aquilo que se propõe a fazer.
Por isso, todo educador precisa conhecer as técnicas da Andragogia. Isso mesmo!
Andragogia é o conceito que prioriza o ensino com adultos. Até onde se sabe, ela surgiu na década de 1970, com o lançamento do livro ‘A prática moderna de Educação de Adultos: Pedagogia versus Andragogia’. O autor Malcolm Knowles introduziu esse método de aprendizagem, em que defendia cinco princípios.
Bom, na próxima semana iremos detalhar tudo isso aí acima. Fique ligado no nosso site!
Parte II
Na segunda parte do artigo, vamos analisar os cinco princípios da Andragogia, utilizando-nos dos personagens que citamos no começo do texto anterior “Sou Educador na empresa de ônibus – Parte I”:
Autonomia
Uma pessoa com longos anos de prática, que nunca frequentou uma sala de aula, mas “aprendeu fazendo”, ou seguindo os mais antigos, pode ter dificuldades de aceitar “novas” normas para se conduzir um veículo pesado.
Lembra-se do senhor que discorda das “novas” teorias de direção econômica?
O papel do educador, no caso, é estimular o profissional na escolha do caminho que a empresa entende que é o ideal.Não tem nada a ver com impor uma “regra”.
É convencê-lo a tomar a iniciativa de seguir um novo caminho, não só para o próprio benefício, mas, também, para o trânsito e dos clientes.
O aluno precisa sair da sala com a ideia: “Eu escolho seguir essa opção que me mostraram!”
Experiência
Desprezar o histórico de vida de seus alunos é dar um “tiro no pé”. O educador aprende ao ensinar, por isso, saberá utilizar o conhecimento do profissional para agregar ao conteúdo da aula.
O educador pode aproveitar a trajetória dos três exemplos de alunos que citamos no primeiro texto.
Basta aplicar técnicas como dinâmicas, debates e jogos, que possam favorecer esta troca de conhecimentos.
Os mais conectados podem ser motivados a buscar na internet algo que contribua na próxima aula (como que um “dever de casa”) ou mesmo na sala de aula, por meio do celular.
Que tal, antes de falar de um novo componente do motor, pedir que os alunos presentes descrevam as partes básicas em que ele se divide?
Educação de adultos não é um monólogo. Transforme suas aulas num clima de troca e valorize aqueles que contribuíram, parabenizando-os por suas colaborações.
Quem sabe, esse seja um fator fundamental para atrair os três alunos que citamos no início.
O aluno precisa sair da sala com o pensamento: “Pude contribuir com a aula!”
Prontidão para a Aprendizagem
O adulto tem maior interesse em aprender aquilo que está relacionado com situações reais de sua vida. O educador também deve mostrar a importância daquele conhecimento para o cotidiano do motorista.
Será que realmente é importante um professor falar da condução de guindastes para motoristas de ônibus ou relatar uma experiência familiar que não está relacionada ao trânsito?
No setor de transporte, há uma resistência em aprender novos conceitos dentro das salas de aula. Por isso, o aluno que discorda das “novas” teorias de direção econômica, por exemplo, aprendeu que dirigindo em ponto morto está economizando, porém ele precisa de explicações técnicas e reais do quanto isso é, pelo contrário, prejudicial.
O aluno precisa sair da sala refletindo: “Esse curso terá grande serventia para mim!”
Aplicação da Aprendizagem
Ao ser apresentado a um novo tipo de veículo, o condutor precisa ter em mente que ele vai dirigir imediatamente ou em breve aquele carro.
Outro exemplo é que o motorista não deve apenas conhecer o nome técnico dos instrumentos de um painel novo. Ele precisa entender em qual momento vai utilizá-los.
Ou seja, não adianta cobrar que os motoristas decorem todos os códigos de trânsito se eles não vão precisar recitá-los no dia a dia de trabalho.
É válido o educador, ao invés de só falar, mostrar na prática como dirigir o tal veículo novo, ir até o local mais propício a acidentes e apresentar a forma correta de conduzir ali.
Seria interessante, também, ao falar sobre determinados defeitos no ônibus, gerados por má operação, mostrar fotos, vídeos e, até mesmo, trazer as peças que foram danificadas pela conduta inadequada.
Sim! Quem sabe um veículo que sofreu um grande dano pode se tornar uma “peça de museu” dentro da garagem para servir de lição para todos os condutores.
O aluno precisa sair da sala se comprometendo: “Entendi e vou fazer isso!”
Motivação para Aprender
Nos exemplos que citamos no primeiro texto, mostramos um senhor que resiste à ideia de que precisa ouvir novamente sobre o mesmo tema.
Por exemplo, talvez ele tenha feito curso de Legislação de Trânsito várias vezes: no processo para retirar a primeira habilitação, durante o curso obrigatório da Resolução 168, e, a cada cinco anos, ao renovar o curso.
Será que ele entende que estamos sofrendo grandes transformações no que se refere ao trânsito? Tudo está mudando! Não são só as leis.
A parte mecânica dos veículos, o painel, o grau de exigência dos clientes, o sistema de trânsito (com a vinda do BRS, BRT, etc.), a forma de gestão das empresas (com o surgimento dos consórcios, por exemplo) e muito mais.
Está na hora, talvez, do educador reformular o material de treinamento, porque, quem sabe, esteja usando o mesmo conteúdo de 20 anos atrás.
Se isso não bastar, crie questionários com questões complexas e mostre, na prática, o quanto eles precisam aprender. As perguntas podem ser sobre leis, sinalizações, lâmpadas do painel, limites de velocidades em determinadas vias, etc.
A motivação do adulto para o aprendizado está ligada ao desejo de aperfeiçoar sua autoestima, de se desenvolver ou de melhorar sua qualidade de vida. Muito mais do que apenas obter prêmios ou compensações, ou mesmo evitar punições.
O aluno precisa sair da sala convicto: “Preciso buscar mais conhecimento ainda!”
Fontes:
amei a materia escrevo e desenvolvo projeto sobre conflito no transporte público
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