Irene
Rios
Quem me
acode
à cabeça e ao coração
neste fim de ano,
entre alegria e dor?
Que sonho, que mistério,
Que sonho, que mistério,
que oração?
Amor.
Carlos Drummond de Andrade
Drummond (1997) descreve o fim de ano
como uma época de alegria e de dor. Podemos entender, pelas palavras do poeta,
que essa mistura de sentimentos é provocada pela presença e ausência de amor. Essa
mistura de sentimentos de alegria e de dor pode ter, dentre seus motivos, a
perda de um ente querido durante as festa de fim de ano, por exemplo.
Essa época do ano, devido às festas e,
principalmente, devido à mistura de álcool e direção, a ocorrência de mortes e
feridos no trânsito aumenta. Conforme balanço realizado pela Polícia Rodoviária
Federal, somente nas estradas federais brasileiras,
no período de 21 de dezembro de 2012 a 2 de janeiro de 2013, foram registrados 7.040
acidentes, que resultaram em 4.171 feridos e 392 mortes. (LEITÃO, 2013).
Cabe salientar que há, ainda, as ocorrências nas
rodovias estaduais e municipais, que não foram calculadas nesse balanço.
Nesse mesmo período, o Ministério das
Cidades, em parceria com o Denatran, lançou a Campanha de fim de ano. Faz parte da campanha, um vídeo com a
duração de 34 segundos, veiculado na TV em dezembro de 2012.
Todos os anos, a tradição do Natal toma conta
do Brasil e derrama sobre a maioria dos nossos lares sentimentos como a
solidariedade, a alegria e o bem querer. Vivemos a esperança de dias ainda
melhores para todos os brasileiros no novo ano que se aproxima. Infelizmente, é
nessa época de festas que acontece um impressionante aumento do fluxo de
veículos em nossas ruas e estradas e uma acentuada presença de motoristas
alcoolizados no trânsito. Para ajudar a diminuir o número de acidentes que
mancham de tristeza as festas e a vida de milhares de famílias, o Ministério
das Cidades, por meio do Denatran, está lançando uma ampla campanha de
conscientização que convida todos os segmentos da sociedade a ajudarem a mudar
essa triste tradição do aumento de acidentes nos feriados de fim de ano. (BRASIL, 2012d).
O vídeo exibe cenas de uma família
comemorando o Natal e o Ano Novo: uma menina colocando meias na janela e
presentes na árvore de Natal. A mãe preparando um peru assado. É transmitida,
também, a cena em que o marido está bebendo, ao lado da esposa, fazendo
promessas de ano novo. As cenas são interrompidas repentinamente pela imagem de
um acidente de trânsito envolvendo o casal. A esposa aparece morta, toda
ensanguentada, caída no asfalto. O marido olha para a esposa, desesperado.
Durante a transmissão das imagens, é narrada a seguinte mensagem: “Mortes no
trânsito. Já está na hora de abandonar essa tradição de fim de ano. O número de
acidentes dispara em razão das festas de Natal e Ano Novo. Não dê esse presente
para sua família. Se beber não dirija”. O vídeo é finalizado com a imagem da
campanha: “Pare! Pense! Mude! Parada! Pacto nacional pela redução de
acidentes!” e o áudio da frase: “Consciência no trânsito: um pacto pela vida”.
A campanha, assim, mostra uma mulher
ensanguentada no asfalto. Lima (2009) esclarece que campanhas com essa característica possuem o estilo chocante.
Porém, por mostrar a família unida no Natal e depois o sofrimento do marido,
podemos perceber também o estilo emotivo.
A ruptura
de um momento de alegria das festas de Natal e de Ano Novo para um momento de
tristeza com a morte causada pela mistura de álcool e direção foi percebida por
diversos estudantes da Educação de Jovens
e Adultos – EJA - do Ensino Médio, que participaram de uma pesquisa sobre a
percepção sensível em campanhas educativas para o trânsito.
“Ouvi que todos estavam festejando o Natal e o ano novo, beberam
demais, saíram de carro e bateram. Invés de ser festa de Natal e Ano Novo, foi
a tristeza de uma morte movida à bebida.”
(Sujeito 11).
“Pessoas festejando, festa de
final de ano, todos alegres, mas no final, mais uma vez a bebida acabando com
tudo e o marido desesperado vendo sua esposa morta no chão.”
(Sujeito 21).
A combinação de álcool e direção tem sido a
causa de muitas mortes no trânsito. Conforme pesquisa realizada pelo Ministério
da Saúde, em setembro de 2011,
com 47.455 vítimas de violências e acidentes, atendidos nos serviços de
urgência e emergência do SUS (Sistema Único de Saúde), em 71 hospitais nas
capitais brasileiras e no Distrito Federal, o Álcool está relacionado a 21% da
violência no trânsito. “O levantamento aponta que uma em cada cinco vítimas de
trânsito atendidas nos prontos-socorros brasileiros ingeriram bebida alcoólica”
(BRASIL, 2013).
O álcool é uma droga lícita[1]
que provoca diversos efeitos colaterais no organismo. Moreira destaca que:
O álcool acarreta
no ser humano uma redução da capacidade de reagir adequadamente a estímulos
(reflexos); diminui a visão periférica; altera o controle corporal causando
desequilíbrio e dificuldades de marcha; aumenta a agressividade; causa sono; e
leva a embriaguez. Tendo
ação sobre todos os tecidos, o álcool exerce marcadamente seus efeitos no
sistema nervoso. (MOREIRA, 2008, p. 53).
Por isso, dirigir sob a influência de álcool é
considerado, segundo o artigo 165 do CTB, uma infração gravíssima, cuja
penalidade é multa e suspensão do direito de dirigir por 12 meses. A multa será
aplicada em dobro, no caso de reincidência no período de até 12 (doze)
meses. Está previsto, ainda, no artigo 306 do CTB, que o condutor que
apresentar concentração de seis decigramas de álcool por litro de
sangue, 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar[2] ou
sinais que indiquem alteração da capacidade psicomotora terá a pena de seis
meses a três anos de detenção e “multa e suspensão ou
proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo
automotor” (BRASIL, 1997). A grande consequência da mistura de
álcool e direção, no entanto, não está na penalidade, mas sim na perda de vidas
que desestruturam as famílias. Está na quantidade de feridos que lotam nossos
hospitais e oneram o Sistema Único de Saúde.
A maioria dos sujeitos da pesquisa
considerou, como o ponto forte do vídeo, a cena que mostra a mulher morta. É
uma imagem violenta e chocante, pois exibe a cena da morte no trânsito mais
próxima da realidade, ou seja, a vítima ferida ensanguentada, caída no asfalto.
Alguns sujeitos insinuaram que a Campanha
de Fim de Ano é mais interessante por apresentar essas características,
como podemos observar nas falas a seguir:
“Porque mostrou mais a realidade de morte no trânsito.” (Sujeito 3).
“É o que passa a realidade mais forte e assustadora.” (Sujeito 5).
“Porque é um acidente brutal que leva a pensar na morte imediata e
causa um grande impacto nos telespectadores.” (Sujeito 7).
Muitas pessoas
interessam-se mais em ler ou assistir a filmes de violência do que coisas
positivas. Conforme pesquisa realizada por Odin e Popiu (2012), sobre a quantidade de acessos no Portal Catve.tv[3],
onde
há uma grande variedade de editoriais e notícias diárias, durante o mês de
abril de 2012, “[...] a maioria das matérias que obtiveram mais visualizações
dos internautas envolvem acidentes e mortes violentas, entre outros temas de
aspecto negativo que aconteceram na cidade ou na região” (ODIN; POPIU, 2012, p. 120). As estatísticas do portal
apontam que:
No período de um mês são mais de
dois milhões de notícias visualizadas dentro do portal, o que significa que, em
média, cada pessoa acessa cinco matérias cada vez que entra no site.
Dentro desse número de matérias
visualizadas, 30% pertencem à editoria policial, que noticia mortes violentas,
tiroteios, prisões, apreensões entre outros crimes e operações policiais. Essa
porcentagem representa cerca de 600 mil notícias visualizadas no mês.
Em seguida vem a editoria de
trânsito, que também noticia mortes violentas, acidentes graves, operações no
trânsito entre outros assuntos. Essa editoria detêm 15% dos acessos mensais ao
portal, cerca de 300 mil notícias visualizadas.
Em
terceiro lugar no número de acessos ficam as matérias da editoria de esporte,
com 8% das visualizações, cerca de 160 mil acessos. (ODIN; POPIU, 2012, p. 122).
Percebemos que cenas de violência atraem
as pessoas. Talvez, por isso, a Campanha de
Fim de Ano, com estilo chocante, tenha despertado o interesse dos sujeitos
da pesquisa. Talvez, por isso, as imagens violentas foram consideradas como o
ponto forte da campanha. Por outro lado, é possível observar, também, que
mostrar cenas fortes, ou seja, os fatos como eles realmente são, após a
violência de trânsito, podem deixar, nos receptores, mensagens relacionadas à segurança
nas vias, como estas relatadas pelos sujeitos da pesquisa, após assistir ao
Vídeo D:
“Que
nossa vida é mais importante que o álcool e que ele não combina com direção.”
(Sujeito 3).
“Festas
de fim de ano e comemorativas são melhores em família e em casa.”
(Sujeito 5).
“Que
todos os seres humanos têm que ter consciência que volante e bebida não se
misturam.” (Sujeito 12).
“Que
por mais que sejam festas de fim de ano, devemos ter mais responsabilidade na
hora de dirigir.” (Sujeito 14).
São mensagens que demonstram a sensibilidade
dos sujeitos sobre o conteúdo apresentado na campanha, ou seja, os riscos e as
possíveis consequências da mistura de bebida e direção e a importância da vida
e do convívio familiar.
Alguns sujeitos forneceram
justificativas sobre a importância da mensagem deixada pela campanha, como mostram
as falas a seguir:
“Porque
a vida é tão importante, que ninguém tem noção.”
(Sujeito 12).
“Porque
a imprudência no trânsito aumenta nessa época, é bom alertar para suas
consequências.” (Sujeito 14).
“Quem
sabe as pessoas que assistiram ao vídeo pensem mais nas coisas que estão
fazendo.” (Sujeito 17).
“Pois
várias pessoas morrem sem ter culpa, é um incentivo a não beber e dirigir.”
(Sujeito 18).
“Porque
devemos ter consciência, respeitar às leis de trânsito e preservar nossas vidas
e das outras pessoas.” (Sujeito 23).
As
declarações demonstram a percepção sensível dos sujeitos para a campanha. Sobre
essa percepção convém destacar as palavras do sujeito 12 que conceituou a vida
como algo de tamanho valor, incapaz de ser compreendido pelas pessoas.
Schiller (1995, p. 81-82) explica que: “O objeto do
impulso sensível, expresso num conceito geral, chama-se vida em seu significado
mais amplo; um conceito que significa todo o ser material e toda presença
imediata nos sentidos”. Podemos deduzir, assim, que a valorização da vida serve
de impulso para a sensibilidade e que, por outro lado, os sentidos incentivam o
ser humano a valorizar a vida.
Provavelmente, os sujeitos que ao assistirem ao
vídeo mencionaram a importância da vida em suas declarações perceberam o quanto
ela é frágil e como podemos perdê-la facilmente. Em instantes, a mulher que
estava feliz, comemorando o Ano Novo, passou a ser um cadáver ensanguentado no
asfalto. Essa possibilidade, possivelmente, mexe com os sentidos e serve de
impulso para pensar no valor da vida.
Referências
______. Ministério da Saúde. 2013a. Disponível em . Acesso em: 22 ago. 2013.
______. Departamento Nacional de Trânsito / Ministério das Cidades. Parada: Pacto Nacional pela Redução de Acidentes / campanhas. Campanha de Fim de Ano. 2012d. Disponível em: < http://www.paradapelavida.com.br/campanhas/campanha-de-fim-de-ano-tradicoes-dezembro-de-2012>. Acesso em: 27 fev. 2013.
LEITÃO, Thais. Fim de ano nas estradas federais tem mais de 4 mil feridos e quase 400 mortos. Brasília. Agência Brasil, 2013. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-01-03/fim-de-ano-nas-estradas-federais-tem-mais-de-4-mil-feridos-e-quase-400-mortos>. Acesso em: 8 out. 2013.
LIMA, Roberta Torres. Classificação de Campanhas Educativas de Trânsito. Monografia (Pós- Graduação em Gestão, Educação e Segurança no Trânsito) Universidade Cândido Mendes. Belo Horizonte, 2009.
MOREIRA, Fernando. A mudança cultural que salva vidas: Lei 11.705 (Lei Seca): a lei que salva vidas. Rio de Janeiro: Arquimedes Edições, 2008.
ODIN, Max Andreuw; POPIU, Jeferson. Notícias trágicas: quanto pior o fato, maior a audiência. In: Revista Advérbio. Vol. VII, n. 14, 2012.
SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem. 3. ed. Trad. Roberto Schwarz e Márcio Suzuki. São Paulo: Iluminuras, 1995
Excelente.
ResponderExcluirNota mil👋👋👋👋👋👋