24 de nov. de 2014

Campanha de fim de ano

Fonte: Brasil - Denatran (2012).


Irene Rios

Quem me acode
à cabeça e ao coração
neste fim de ano,
entre alegria e dor?
Que sonho, que mistério,
que oração?
Amor.
Carlos Drummond de Andrade

Drummond (1997) descreve o fim de ano como uma época de alegria e de dor. Podemos entender, pelas palavras do poeta, que essa mistura de sentimentos é provocada pela presença e ausência de amor. Essa mistura de sentimentos de alegria e de dor pode ter, dentre seus motivos, a perda de um ente querido durante as festa de fim de ano, por exemplo.

Essa época do ano, devido às festas e, principalmente, devido à mistura de álcool e direção, a ocorrência de mortes e feridos no trânsito aumenta. Conforme balanço realizado pela Polícia Rodoviária Federal, somente nas estradas federais brasileiras, no período de 21 de dezembro de 2012 a 2 de janeiro de 2013, foram registrados 7.040 acidentes, que resultaram em 4.171 feridos e 392 mortes. (LEITÃO, 2013). Cabe salientar que há, ainda, as ocorrências nas rodovias estaduais e municipais, que não foram calculadas nesse balanço.

Nesse mesmo período, o Ministério das Cidades, em parceria com o Denatran, lançou a Campanha de fim de ano. Faz parte da campanha, um vídeo com a duração de 34 segundos, veiculado na TV em dezembro de 2012.



Todos os anos, a tradição do Natal toma conta do Brasil e derrama sobre a maioria dos nossos lares sentimentos como a solidariedade, a alegria e o bem querer. Vivemos a esperança de dias ainda melhores para todos os brasileiros no novo ano que se aproxima. Infelizmente, é nessa época de festas que acontece um impressionante aumento do fluxo de veículos em nossas ruas e estradas e uma acentuada presença de motoristas alcoolizados no trânsito. Para ajudar a diminuir o número de acidentes que mancham de tristeza as festas e a vida de milhares de famílias, o Ministério das Cidades, por meio do Denatran, está lançando uma ampla campanha de conscientização que convida todos os segmentos da sociedade a ajudarem a mudar essa triste tradição do aumento de acidentes nos feriados de fim de ano. (BRASIL, 2012d).
           
O vídeo exibe cenas de uma família comemorando o Natal e o Ano Novo: uma menina colocando meias na janela e presentes na árvore de Natal. A mãe preparando um peru assado. É transmitida, também, a cena em que o marido está bebendo, ao lado da esposa, fazendo promessas de ano novo. As cenas são interrompidas repentinamente pela imagem de um acidente de trânsito envolvendo o casal. A esposa aparece morta, toda ensanguentada, caída no asfalto. O marido olha para a esposa, desesperado. Durante a transmissão das imagens, é narrada a seguinte mensagem: “Mortes no trânsito. Já está na hora de abandonar essa tradição de fim de ano. O número de acidentes dispara em razão das festas de Natal e Ano Novo. Não dê esse presente para sua família. Se beber não dirija”. O vídeo é finalizado com a imagem da campanha: “Pare! Pense! Mude! Parada! Pacto nacional pela redução de acidentes!” e o áudio da frase: “Consciência no trânsito: um pacto pela vida”.

A campanha, assim, mostra uma mulher ensanguentada no asfalto. Lima (2009) esclarece que campanhas com essa característica possuem o estilo chocante. Porém, por mostrar a família unida no Natal e depois o sofrimento do marido, podemos perceber também o estilo emotivo.

A ruptura de um momento de alegria das festas de Natal e de Ano Novo para um momento de tristeza com a morte causada pela mistura de álcool e direção foi percebida por diversos estudantes da Educação de Jovens e Adultos – EJA - do Ensino Médio, que participaram de uma pesquisa sobre a percepção sensível em campanhas educativas para o trânsito.

Ouvi que todos estavam festejando o Natal e o ano novo, beberam demais, saíram de carro e bateram. Invés de ser festa de Natal e Ano Novo, foi a tristeza de uma morte movida à bebida.” (Sujeito 11).

“Pessoas festejando, festa de final de ano, todos alegres, mas no final, mais uma vez a bebida acabando com tudo e o marido desesperado vendo sua esposa morta no chão.” (Sujeito 21).

A combinação de álcool e direção tem sido a causa de muitas mortes no trânsito. Conforme pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, em setembro de 2011, com 47.455 vítimas de violências e acidentes, atendidos nos serviços de urgência e emergência do SUS (Sistema Único de Saúde), em 71 hospitais nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, o Álcool está relacionado a 21% da violência no trânsito. “O levantamento aponta que uma em cada cinco vítimas de trânsito atendidas nos prontos-socorros brasileiros ingeriram bebida alcoólica” (BRASIL, 2013).

O álcool é uma droga lícita[1] que provoca diversos efeitos colaterais no organismo. Moreira destaca que:

O álcool acarreta no ser humano uma redução da capacidade de reagir adequadamente a estímulos (reflexos); diminui a visão periférica; altera o controle corporal causando desequilíbrio e dificuldades de marcha; aumenta a agressividade; causa sono; e leva a embriaguez. Tendo ação sobre todos os tecidos, o álcool exerce marcadamente seus efeitos no sistema nervoso. (MOREIRA, 2008, p. 53).

Por isso, dirigir sob a influência de álcool é considerado, segundo o artigo 165 do CTB, uma infração gravíssima, cuja penalidade é multa e suspensão do direito de dirigir por 12 meses. A multa será aplicada em dobro, no caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses. Está previsto, ainda, no artigo 306 do CTB, que o condutor que apresentar concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue, 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar[2] ou sinais que indiquem alteração da capacidade psicomotora terá a pena de seis meses a três anos de detenção e “multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor” (BRASIL, 1997). A grande consequência da mistura de álcool e direção, no entanto, não está na penalidade, mas sim na perda de vidas que desestruturam as famílias. Está na quantidade de feridos que lotam nossos hospitais e oneram o Sistema Único de Saúde.

A maioria dos sujeitos da pesquisa considerou, como o ponto forte do vídeo, a cena que mostra a mulher morta. É uma imagem violenta e chocante, pois exibe a cena da morte no trânsito mais próxima da realidade, ou seja, a vítima ferida ensanguentada, caída no asfalto. Alguns sujeitos insinuaram que a Campanha de Fim de Ano é mais interessante por apresentar essas características, como podemos observar nas falas a seguir:

“Porque mostrou mais a realidade de morte no trânsito.” (Sujeito 3).

“É o que passa a realidade mais forte e assustadora.” (Sujeito 5).

“Porque é um acidente brutal que leva a pensar na morte imediata e causa um grande impacto nos telespectadores.” (Sujeito 7).

Muitas pessoas interessam-se mais em ler ou assistir a filmes de violência do que coisas positivas. Conforme pesquisa realizada por Odin e Popiu (2012), sobre a quantidade de acessos no Portal Catve.tv[3], onde há uma grande variedade de editoriais e notícias diárias, durante o mês de abril de 2012, “[...] a maioria das matérias que obtiveram mais visualizações dos internautas envolvem acidentes e mortes violentas, entre outros temas de aspecto negativo que aconteceram na cidade ou na região” (ODIN; POPIU, 2012, p. 120). As estatísticas do portal apontam que:

No período de um mês são mais de dois milhões de notícias visualizadas dentro do portal, o que significa que, em média, cada pessoa acessa cinco matérias cada vez que entra no site.
Dentro desse número de matérias visualizadas, 30% pertencem à editoria policial, que noticia mortes violentas, tiroteios, prisões, apreensões entre outros crimes e operações policiais. Essa porcentagem representa cerca de 600 mil notícias visualizadas no mês.
Em seguida vem a editoria de trânsito, que também noticia mortes violentas, acidentes graves, operações no trânsito entre outros assuntos. Essa editoria detêm 15% dos acessos mensais ao portal, cerca de 300 mil notícias visualizadas.
Em terceiro lugar no número de acessos ficam as matérias da editoria de esporte, com 8% das visualizações, cerca de 160 mil acessos. (ODIN; POPIU, 2012, p. 122).

Percebemos que cenas de violência atraem as pessoas. Talvez, por isso, a Campanha de Fim de Ano, com estilo chocante, tenha despertado o interesse dos sujeitos da pesquisa. Talvez, por isso, as imagens violentas foram consideradas como o ponto forte da campanha. Por outro lado, é possível observar, também, que mostrar cenas fortes, ou seja, os fatos como eles realmente são, após a violência de trânsito, podem deixar, nos receptores, mensagens relacionadas à segurança nas vias, como estas relatadas pelos sujeitos da pesquisa, após assistir ao Vídeo D:

“Que nossa vida é mais importante que o álcool e que ele não combina com direção.” (Sujeito 3).

“Festas de fim de ano e comemorativas são melhores em família e em casa.” (Sujeito 5).

“Que todos os seres humanos têm que ter consciência que volante e bebida não se misturam.” (Sujeito 12).

“Que por mais que sejam festas de fim de ano, devemos ter mais responsabilidade na hora de dirigir.” (Sujeito 14).

São mensagens que demonstram a sensibilidade dos sujeitos sobre o conteúdo apresentado na campanha, ou seja, os riscos e as possíveis consequências da mistura de bebida e direção e a importância da vida e do convívio familiar.

Alguns sujeitos forneceram justificativas sobre a importância da mensagem deixada pela campanha, como mostram as falas a seguir:

“Porque a vida é tão importante, que ninguém tem noção.” (Sujeito 12).

“Porque a imprudência no trânsito aumenta nessa época, é bom alertar para suas consequências.” (Sujeito 14).

“Quem sabe as pessoas que assistiram ao vídeo pensem mais nas coisas que estão fazendo.” (Sujeito 17).

“Pois várias pessoas morrem sem ter culpa, é um incentivo a não beber e dirigir.” (Sujeito 18).

“Porque devemos ter consciência, respeitar às leis de trânsito e preservar nossas vidas e das outras pessoas.” (Sujeito 23).

As declarações demonstram a percepção sensível dos sujeitos para a campanha. Sobre essa percepção convém destacar as palavras do sujeito 12 que conceituou a vida como algo de tamanho valor, incapaz de ser compreendido pelas pessoas.

Schiller (1995, p. 81-82) explica que: “O objeto do impulso sensível, expresso num conceito geral, chama-se vida em seu significado mais amplo; um conceito que significa todo o ser material e toda presença imediata nos sentidos”. Podemos deduzir, assim, que a valorização da vida serve de impulso para a sensibilidade e que, por outro lado, os sentidos incentivam o ser humano a valorizar a vida.

Provavelmente, os sujeitos que ao assistirem ao vídeo mencionaram a importância da vida em suas declarações perceberam o quanto ela é frágil e como podemos perdê-la facilmente. Em instantes, a mulher que estava feliz, comemorando o Ano Novo, passou a ser um cadáver ensanguentado no asfalto. Essa possibilidade, possivelmente, mexe com os sentidos e serve de impulso para pensar no valor da vida.

Referências

BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro. 1997. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2013.

______. Ministério da Saúde. 2013a. Disponível em . Acesso em: 22 ago. 2013.

______. Departamento Nacional de Trânsito / Ministério das Cidades. Parada: Pacto Nacional pela Redução de Acidentes / campanhas. Campanha de Fim de Ano. 2012d. Disponível em: < http://www.paradapelavida.com.br/campanhas/campanha-de-fim-de-ano-tradicoes-dezembro-de-2012>. Acesso em: 27 fev. 2013.

LEITÃO, Thais. Fim de ano nas estradas federais tem mais de 4 mil feridos e quase 400 mortos. Brasília. Agência Brasil, 2013. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-01-03/fim-de-ano-nas-estradas-federais-tem-mais-de-4-mil-feridos-e-quase-400-mortos>. Acesso em: 8 out. 2013.

LIMA, Roberta Torres. Classificação de Campanhas Educativas de Trânsito. Monografia (Pós- Graduação em Gestão, Educação e Segurança no Trânsito) Universidade Cândido Mendes. Belo Horizonte, 2009.

MOREIRA, Fernando. A mudança cultural que salva vidas: Lei 11.705 (Lei Seca): a lei que salva vidas. Rio de Janeiro: Arquimedes Edições, 2008.

ODIN, Max Andreuw; POPIU, Jeferson. Notícias trágicas: quanto pior o fato, maior a audiência. In: Revista Advérbio. Vol. VII, n. 14, 2012.

SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem. 3. ed. Trad. Roberto Schwarz e Márcio Suzuki. São Paulo: Iluminuras, 1995




[1] Droga lícita é aquela que possui a produção, o uso e a comercialização permitidos por lei.

[2] Ar expirado pela boca de um indivíduo, originário dos alvéolos pulmonares.

[3] O portal pode ser encontrado no seguinte endereço . Acesso em: 25 out. 2013.

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