![]() |
Professora: Eliza Costa Pacheco
|
Proponho, com este texto, refletir sobre o trânsito como tema transversal
na escola. Tenho desenvolvido este assunto em consultoria, em cursos de
formação para professores multiplicadores de educação para o trânsito, em
palestras e em outros treinamentos que buscam aperfeiçoar os conhecimentos de
profissionais que atuam na área de educação para o trânsito.
Os temas transversais,
propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, são: ética, cidadania, meio
ambiente, pluralidade cultural, saúde, orientação sexual e social, trabalho, consumo e temas locais. Os critérios de
escolha foram: urgência social, abrangência nacional, possibilidade de ensino e aprendizagem no ensino fundamental, favorecer a compreensão
da realidade e a participação social, e devem ser trabalhados nas unidades escolares, no intuito de expressar
conceitos e valores, indispensáveis a uma sociedade organizada.
Por tratarem de
questões sociais, os Temas Transversais têm natureza diferente das áreas
convencionais. Sua complexidade faz com que nenhuma das áreas, isoladamente,
seja suficiente para abordá-los. Ao contrário, a problemática dos Temas
Transversais atravessa os diferentes campos do conhecimento. Por exemplo, a
questão ambiental não é compreensível apenas a partir das contribuições da
Geografia. Necessita de conhecimentos históricos, das Ciências Naturais, da
Sociologia, da Demografia, da Economia, entre outros. (BRASIL, 1997, p.29)
O trânsito
está inserido na vida das pessoas, faz parte da organização da sociedade e por
isso precisa ser trabalhado nas escolas. A questão do trânsito é considerada
como tema local nos documentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais, ou seja,
deve ser trabalhado em regiões brasileiras onde o trânsito constitui um
problema social grave e urgente.
Sabe-se, no
entanto que a necessidade de um trânsito seguro transcorre por todo o
território brasileiro, pois mesmo aquele que só vai à cidade de vez em quando,
precisa transitar com segurança.
As escolas têm por obrigação, além de
construir o conhecimento sobre os conteúdos curriculares, educar os indivíduos
para serem cidadãos ativos capazes de conhecer e praticar seus direitos e
deveres com responsabilidades.
A perspectiva
transversal aponta uma transformação da prática pedagógica, pois rompe a
limitação da atuação dos professores às atividades formais e amplia a sua
responsabilidade com a sua formação dos alunos. Os Temas Transversais permeiam
necessariamente toda a prática educativa que abarca relações entre os alunos,
entre professores e alunos e entre diferentes membros da comunidade escolar.
(BRASIL, 1997, p. 30)
A escola,
sozinha, não muda a sociedade, isso é certo, mas se possibilitar e promover aos
indivíduos a reflexão sobre suas atitudes na vida cotidiana da comunidade a
qual está inserida se fortalecerá e será vista como espaço de transformação
para a construção de um mundo melhor.
A colaboração dos
educadores à educação para o trânsito é imprescindível. Eles estão boa parte do
tempo com as crianças e com os adolescentes e podem realizar um ótimo
trabalho.
Em 2009, reforçando o indicativo dos Parâmetros Curriculares Nacionais,
foi publicado pelo Denatran, através da portaria 147, as Diretrizes Nacionais
da Educação para o Trânsito, cujo texto estabelece que o trânsito deve ser
trabalhado de maneira transversal na Pré-escola e no Ensino Fundamental. No
anexo II das Diretrizes (destinada ao Ensino Fundamental), consta que:
A inclusão do trânsito como tema transversal tem como
objetivos:
I - priorizar a educação para a paz a partir de
exemplos positivos que reflitam o exercício da ética e da cidadania no espaço
público;
II - desenvolver posturas e atitudes para a construção
de um espaço público democrático e equitativo, por meio do trabalho sistemático
e contínuo, durante toda a escolaridade, favorecendo o aprofundamento de
questões relacionadas ao tema trânsito;
III - superar o enfoque reducionista de que ações
educativas voltadas ao tema trânsito sejam apenas para preparar o futuro
condutor;
IV - envolver a família e a comunidade nas ações
educativas de trânsito desenvolvidas;
VI - contribuir para mudança do quadro de violência no
trânsito brasileiro que hoje se apresenta;
VII - criar condições que favoreçam a observação e a
exploração da cidade, a fim de que os alunos percebam-se como agentes
transformadores do espaço onde vivem. (BRASIL,
2009, anexo II, p. 2)
Os objetivos são bastante abrangentes e
envolvem a comunidade escolar e a sociedade em busca da diminuição da violência
viária por meio de atitudes positivas, seguras e éticas no trânsito, desde a
infância.
A transversalidade pode
ser a solução para a aplicação do tema trânsito nas escolas, pois as aulas
serão ministradas pelos professores da grade curricular, ou seja, por
profissionais que possuem a didática para trabalhar com crianças e
adolescentes.
Além disso, proporciona
um trabalho com continuidade, pois o trânsito pode ser abordado em vários
momentos durante o ano letivo (Recomendo que seja quinzenalmente, variando as
disciplinas). Enfatizo que é importante que a educação para o trânsito seja
permanente, não basta dar aulas ou palestras esporádicas de boas condutas no
trânsito, pois, por melhor que seja a atividade, mesmo que tenhamos conseguido
um bom índice de aprendizagem, se não falarmos mais no assunto, surgirão outros
interesses aos participantes e os conhecimentos adquiridos naquela aula ou
palestra poderão desaparecer.
Cabe salientar ainda que para abordar a
segurança no trânsito de maneira transversal, os professores não precisam
interromper os conteúdos curriculares e podem fazer isso em vários momentos,
contextualizando com os conteúdos que estão sendo ensinado aos estudantes.
Vejam o exemplo a seguir:
“Responda: No condomínio de
Pedrinho 32 moradores iam sozinhos de automóvel para o trabalho. Resolveram dar
carona uns para os outros, colocando quatro pessoas em cada carro. Quantos
automóveis foram necessários para levar os 32 moradores do condomínio de
Pedrinho para o trabalho? Houve a diminuição de quantos carros nas ruas? ”
Esta atividade pode ser
aplicada na disciplina de matemática, pois envolve os conteúdos curriculares
correspondentes a divisão e a subtração de números naturais. É uma atividade
que deixa uma mensagem ética sobre a responsabilidade de cada um para a
diminuição de veículos nas ruas, incentivando a carona entre amigos.
Refletindo, ainda,
sobre a questão proposta: “A
transversalidade da educação para o trânsito tem atingido seus objetivos? ”, com
base em minhas experiências, enquanto professora em vários níveis de ensino e
instrutora de cursos de capacitação de professores e profissionais que atuam na
área de educação para o trânsito, percebo que há uma “falta de interesse dos
professores” relacionada à implementação do trânsito como tema transversal nas
escolas. Os motivos para esse desinteresse podem ser vários. Destaco aqui os
que considero como principais.
Um deles talvez seja a falta de cobrança sobre o que está estabelecido no
artigo 76 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB: “A educação para o trânsito será promovida na
pré-escola e nas escolas de 1º, 2º e 3º graus” (BRASIL, 1997). Além de não haver fiscalização sobre a
cumprimento da lei, o texto do artigo citado deixa em aberto a data para o
início deste trabalho educativo. E como, provavelmente, o professor possui
diversos assuntos para abordar com os estudantes, dos quais precisa prestar
contas, deixa o trânsito (que não é cobrado) para depois.
Outra causa do desinteresse dos professores em trabalhar
o trânsito pode ser a falta de sensibilidade com relação à segurança no
trânsito. Sobre sensibilidade, convido-os a refletir a respeito do seguinte
argumento de Fernando Pessoa:
Quanto mais alta a sensibilidade, e mais
sutil a capacidade de sentir, tanto mais absurdamente vibra e estremece com as
pequenas coisas. É preciso uma prodigiosa inteligência para ter angústia ante
um dia escuro. A humanidade, que é pouco sensível, não se angustia com o tempo,
porque faz sempre tempo; não sente a chuva senão quando lhe cai em cima. (PESSOA, 1986)
Fernando Pessoa esclarece que um indivíduo sensível
tem maior capacidade de perceber as pequenas coisas e que a falta de
sensibilidade faz a humanidade ficar alheia aos acontecimentos - “[...] não sente a chuva senão
quando lhe cai em cima” (PESSOA, 1986,
p. 80). Esses argumentos possibilitam uma analogia com o
cotidiano no trânsito. Podemos insinuar que pessoas insensíveis não se comovem com a violência viária, porque
todo dia há violência viária, e que, provavelmente, a dor pela perda no
trânsito é somente sentida quando essas pessoas estão envolvidas.
É
importante que o professor sinta que também é responsável pela segurança
viária. É essencial que os educadores tenham conhecimento sobre a necessidade
da educação para a segurança no trânsito desde a infância.
Porém, talvez o desinteresse do professor pela educação para o trânsito
seja porque associam com o ato de dirigir, ou com a legislação. É possível que
“educar para o trânsito" seja interpretado por alguns educadores como “ensinar
a dirigir veículo automotor”, ou “ensinar a legislação de trânsito”, e aí se
consideram despreparados para realizar tal tarefa.
Considero também, como dificuldade para um trabalho transversal e
contínuo do tema trânsito, a falta de materiais didáticos de apoio. Penso que é
muito otimismo acreditar que aquela professora, que possui uma carga horária de
40 horas semanais de trabalho, filhos pequenos e marido para dar atenção, irá
elaborar atividades transversais de educação para o trânsito.
Para resolver isso basta distribuir materiais didáticos
nas escolas (Só que não). Se os materiais didáticos que oferecermos não forem
adequados ao plano de ensino da disciplina, será que o professor vai usar?
Por exemplo: na sequência do "Manual de educação para o trânsito" consta
uma atividade transversal, para a disciplina de ciências naturais, que envolve
os conteúdos coluna cervical e cinto de segurança. O professor está trabalhando
em ciências naturais, o conteúdo plantas. Será que ele vai interromper seu
plano de ensino para seguir a sequência do "Manual de educação para o trânsito"?
Até o momento, refletimos sobre algumas dificuldades para
a implementação do trânsito como tema transversal na escola. É essencial
discorrer também sobre algumas ações possíveis que, no meu ponto de vista,
precisam ser adotadas para que a transversalidade da educação para o trânsito
nas escolas atinja seus objetivos.
Uma das ações é cobrar e acompanhar o cumprimento do artigo 76 do Código
de Trânsito Brasileiro, sobre a obrigatoriedade da educação para o trânsito no
Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior, bem como indicar
metodologias para o desenvolvimento de um trabalho com qualidade.
Outra ação imprescindível é a oferta de cursos de
capacitação para professores. Nestes cursos é preciso sensibilizá-los, ou seja,
convencê-los da importância da educação para o trânsito já na infância. É
necessário também orientar os professores sobre como desenvolver o tema em suas
aulas, indicando conteúdos e metodologias adequados aos diversos níveis de
ensino.
É
recomendável que, antes da escolha dos conteúdos a serem ensinados aos
estudantes, seja realizada uma investigação a fim de verificar a percepção que
eles apresentam sobre os riscos no trânsito. Como regra geral, é importante
instruir os estudantes a respeitar as leis de trânsito e a possuir atitudes que
priorizem a segurança nas vias. É essencial também construir junto aos
estudantes valores positivos, como respeito ao próximo, autonomia, preservação
da vida, entre outros, para que no futuro venham a ser condutores conscientes
de seus direitos e deveres.
É importante ainda proporcionar aos educadores materiais
didáticos de educação para o trânsito, criativos, com atividades transversais
adequadas ao nível dos alunos, desenvolvidas em conformidade com o planejamento
escolar.
Para que não pensem que isso é uma utopia, que sou uma
sonhadora (na verdade sou uma eterna sonhadora), indico um caminho que pode
facilitar a efetivação dessa ideia. Recomendo a inserção de atividades
contextualizadas com o trânsito nos livros didáticos, correspondentes às
disciplinas curriculares, adotados nas escolas públicas e privadas, em pelo
menos três momentos em cada livro.
Para que o trânsito como tema transversal seja trabalhado
com continuidade e qualidade nas escolas é necessário assessoria aos
professores durante o processo de ensino e aprendizagem, a fim de acompanhar e
orientar o desenvolvimento das atividades.
Concluindo, é essencial avaliar o processo educativo em todas as etapas, a fim de verificar a percepção e reação dos professores e estudantes, para possíveis
adaptações. Sendo assim, provavelmente os objetivos da transversalidade da educação para o trânsito nas escolas serão atingidos e teremos a segurança e fluidez
viária como consequência.
Referências
BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro. 1997. Disponível em: http://www.denatran.gov.br/ctb.htm. Acesso em: 15 jul. 2016.
________. Departamento Nacional de Trânsito. Diretrizes Nacionais da Educação para o Trânsito na Pré-Escola. Disponível em: http://www.denatran.gov.br/download/Portarias/2009/PORTARIA_DENATRAN_147_09_ANEXO_I_DIRETRIZES_PRE_ESCOLA.pdf. Acesso em: 15 de jul. de 2016.
_______. Departamento Nacional de Trânsito. Diretrizes Nacionais da Educação para o Trânsito no Ensino Fundamental. Disponível em: http://www.denatran.gov.br/download/Portarias/2009/PORTARIA_DENATRAN_147_09_ANEXO_II_DIRETRIZES_EF.pdf. Acesso em: 15 de jul. de 2016.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997.
PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego. Por Bernardo Soares. Seleção e introdução de Leyla Perrony Moysés. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro. 1997. Disponível em: http://www.denatran.gov.br/ctb.htm. Acesso em: 15 jul. 2016.
________. Departamento Nacional de Trânsito. Diretrizes Nacionais da Educação para o Trânsito na Pré-Escola. Disponível em: http://www.denatran.gov.br/download/Portarias/2009/PORTARIA_DENATRAN_147_09_ANEXO_I_DIRETRIZES_PRE_ESCOLA.pdf. Acesso em: 15 de jul. de 2016.
_______. Departamento Nacional de Trânsito. Diretrizes Nacionais da Educação para o Trânsito no Ensino Fundamental. Disponível em: http://www.denatran.gov.br/download/Portarias/2009/PORTARIA_DENATRAN_147_09_ANEXO_II_DIRETRIZES_EF.pdf. Acesso em: 15 de jul. de 2016.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997.
PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego. Por Bernardo Soares. Seleção e introdução de Leyla Perrony Moysés. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
Mestra em Educação, com a pesquisa: CAMPANHAS EDUCATIVAS PARA O TRÂNSITO: a percepção sensível de jovens e adultos; Especialista em Ambiente, Gestão e Segurança de Trânsito e em Metodologia de Ensino; Graduada em Letras Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa; Consultora e co-autora do projeto “Gincana Cultural de Trânsito”, vencedor do XII Prêmio Denatran de Educação no Trânsito - 2012 - na categoria "Educação no Trânsito - Projetos e Programas"; Presidente da Câmara Catarinense do Livro; Professora universitária de disciplinas na área de Educação para o Trânsito; Autora de artigos e livros sobre Educação para o Trânsito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário