
Pesquisa da USP, que uniu comunicação
e neurociência, mostrou que campanhas de cunho negativo são mais
marcantes, mas geram a mesma intenção de comportamento que as positivas;
resultado indica novo caminho para publicidade.
Um estudo realizado na Escola de
Comunicações e Artes da USP mostrou que campanhas de segurança no
trânsito com abordagem positiva, apesar de raras, são tão eficazes no
incentivo ao cuidado no trânsito quanto as que apresentam abordagem
negativa, caracterizadas por imagens de acidentes e pessoas machucadas.
De acordo com o autor da pesquisa, Diogo Rógora Kawano, isso mostra que a
busca por chocar o público não se justifica, e incentiva a elaboração
de campanhas que apresentem os ganhos ao não se beber e dirigir, por
exemplo. Além de também se mostrarem eficazes, elas representam uma nova
possibilidade na busca pela redução de acidentes. Para chegar a tais
conclusões, o pesquisador uniu métodos da neurociência e da comunicação.
Kawano realizou dois experimentos. O
primeiro foi um questionário on-line, aplicado a 108 jovens com idade
entre 18 e 25 anos (grupo mais vulnerável a acidentes). Os voluntários
foram divididos em dois grupos iguais, e cada grupo foi confrontado com
um tipo de abordagem (positiva ou negativa). Depois, tiveram de
responder perguntas sobre a maneira como perceberam o anúncio (se foi
impactante, emocional, dramático) e qual a intenção de comportamento
gerada por ele. Ao analisar os resultados, o pesquisador percebeu que de
fato as campanhas negativas são mais impactantes, mas sua eficácia –
ou seja, a capacidade de gerar a intenção de comportamento seguro do
público – não é superior àquelas de abordagem positiva. De 54 pessoas
que viram campanhas positivas, 30 declararam que muito provavelmente
evitariam beber antes de dirigir após o contato com o anúncio. No caso
das campanhas negativas, o número foi de 33.
Na segunda etapa da pesquisa, Kawano
utilizou a neurociência para avaliar o impacto neurofisiológico dessas
campanhas. E os resultados corroboraram o que foi encontrado no primeiro
experimento. Dessa vez, contou com 24 voluntários. Eles também foram
divididos em dois grupos iguais e confrontados com campanhas de
abordagem positiva ou negativa. A diferença é que, enquanto observavam
os anúncios, eles tiveram suas ondas cerebrais monitoradas por um
eletroencefalograma (EEG). O pesquisador avaliou especificamente duas
ondas: alfa e teta, ambas relacionadas a emoções positivas e negativas.
Os voluntários também tiveram de
responder um questionário sobre o que acharam da campanha e se ela gerou
a intenção de tomar mais cuidado no trânsito. Mais uma vez, os
resultados mostraram que as campanhas negativas são bem mais
impactantes, gerando emoções negativas (o que pôde ser detectado pelo
EEG), mas não mais eficazes. De 12 pessoas que observaram campanhas
negativas, cinco declararam que “muito provavelmente” evitariam beber e
dirigir, mesmo número encontrado no caso das campanhas positivas. “Isso
mostra que as agências seguem uma tendência de adotar abordagens
negativas, mas sem questionar se elas são mesmo mais eficazes”, diz o
pesquisador.
Os resultados da pesquisa, porém,
mostram que esse cenário poderia ser diferente, e indica uma nova
possibilidade para a publicidade. “Hoje, só a Holanda tem o costume de
adotar o uso do humor, por exemplo”, comenta Kawano, ao questionar os
motivos que levam agências ao redor do mundo a buscar sempre causar
choque e aversão no público.
Neurociência e comunicação
A pesquisa ainda teve outros eixos, como
o confronto entre aquilo que foi declarado pelos voluntários com o que
pôde ser observado na atividade cortical de cada um deles. Apesar de
haver diversas maneiras de analisar esses dados, Kawano chegou a alguns
resultados: em 97,7% dos casos não houve correlação esperada entre
aquilo que foi respondido e a resposta neurofisiológica. Em 11,4%, as
pessoas responderam ter sentido exatamente o oposto daquilo que pôde ser
detectado pelo EEG. Por exemplo, disseram que uma campanha não foi
impactante, quando a atividade cortical mostrou o contrário.
Segundo o pesquisador, esses resultados
mostram que o EEG realmente traz novas informações que não poderiam ser
fornecidas pelos questionários, já que as pessoas têm dificuldade em
explicitar suas emoções. Por isso, Kawano defende que pesquisas que
busquem avaliar emoções usem métodos neurocientíficos. Mas, para ele,
também não se pode encarar a neurociência como "a solução de todos os
problemas", pois ela também apresenta limitadores e não se aplica a
todas as pesquisas de mercado. "Por exemplo, no uso do eyetracking, que
rastreia os pontos que mais atraem o olhar das pessoas. Nem sempre
aquilo que você olha significa que você esteja prestando atenção. Um
exemplo claro é quando você olha as horas no celular e, logo em seguida,
percebe que não prestou atenção”, explica.
Por isso, ele acredita que seja
necessário aprofundar os estudos e investir na interdisciplinaridade,
unindo neurociência e comunicação. Assim, as pesquisas podem ser mais
completas e seus resultados ainda melhores. Ele também acredita ser
importante que esse tipo de estudo tenha o acompanhamento de um
profissional de comunicação, não sendo restrito aos pesquisadores da
ciência. “No Brasil e no mundo, hoje, a maior parte dessas pesquisas que
usam comunicação e neurociência, ainda é feita a partir das ciências
biológicas ou exatas. São pessoas que tem conhecimento aprofundado sobre
funcionamento do cérebro, mas falta o aporte teórico da comunicação”,
diz o pesquisador.
Centro de Comunicação e Ciências Cognitivas
Estudos como esse, que aliam comunicação
e neurociência, poderão ser aprofundados no Centro de Comunicação e
Ciências Cognitivas, laboratório que está se organizando no Departamento
de Relações Públicas, Propaganda e Turismo (CRP) da Escola de
Comunicações e Artes (ECA/USP), sob a coordenação do professor Leandro
Batista, orientador de Kawano nessa pesquisa. O laboratório será o
primeiro da USP a aliar essas duas áreas e contará com equipamentos
próprios, como o eletroencefalograma e o eyetracking (rastreador de
olhar). Além disso, terá parceria de outras unidades da USP, como o
Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), o Instituto de Psicologia (IP), e
a colaboração de professores da área de antropologia.
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