Escrito por Márcia Pontes
Está aí uma pergunta para a qual talvez a resposta venha carregada de tentativas de justificativas vazias. Lembro que durante uma palestra interativa para os pais numa escola um deles levantou a mão e disse que colecionava multas, pois é empresário, dirige sempre com a cabeça cheia de assuntos para resolver, muitas vezes se distrai e acaba apertando o acelerador um pouquinho mais sem perceber.
Outro pai tentou justificar o fato de atender e fazer ligações no celular enquanto dirige porque é vendedor, depende de fechar contratos para atingir metas no final do mês senão perde o emprego.
Também havia nesse grupo pais de alunos que afirmavam que atravessavam na faixa na frente do motorista porque a faixa é do pedestre e o motorista é que tem de respeitá-los. E ainda questionou: “não é para isso que existe multa para o motorista que não respeita o pedestre na faixa?”
Confesso que essas respostas vindas de pais de alunos com os quais tentamos construir valores de convivência e respeito no trânsito são, no mínimo, egoístas. Porque o cidadão dirige numa via pública cujo trânsito é um espaço compartilhado e negociado por todos (ou deveria ser), mas quando dirigem ou caminham pela cidade pensam só em si e ignoram os outros.
A confissão do pai que admite dirigir distraído, sem atenção, que coleciona multas e sem perceber que está acelerando demais não justifica o erro, assim como a desculpa do pai motorista que atende e faz ligações ao celular.
O caso do pai pedestre que se joga na frente dos carros porque acredita que a responsabilidade de evitar acidentes é unicamente do motorista é um indicativo de que precisamos investir em disseminação da informação, em esclarecimento, em campanhas educativas e preventivas com a população.
Certamente, quando está caminhando com seu filho pela cidade é isso que ele está ensinando para os filhos: atravessem de qualquer jeito porque o motorista tem que esperar. Sobre os seus deveres como pedestre, autocuidados e atenção com a própria vida, nada!
Assim como as pessoas conhecem da legislação de trânsito apenas o que interessa para justificar suas imprudências e negligências, também deveriam conhecer os seus deveres como pedestres e motoristas. Mais que isso, deveriam saber dos riscos que impõem a si mesmos e aos outros.
O que está ensinando para o seu filho o pai que atira objetos e lixo pela janela do carro como bitucas de cigarro, papel de bala, latas de cerveja e refrigerante? Será que o filho não vai reproduzir esse comportamento quando estiver voltando da escola, de ônibus, para casa?
E o que estará ensinando para o filho o pai que fura o sinal vermelho para levar vantagem saindo na frente dos outros carros porque falta bem pouquinho para mudar para verde?
Muitos pais e outros adultos não percebem o mal que estão fazendo para si mesmos, para os outros e para o próprio filho ao terem atitudes egoístas e desrespeitosas no trânsito.
Pior são aqueles que saem para beber com os amigos, dão uma paradinha no boteco ou lanchonete e levam as crianças. Pior são aqueles que cometem imprudências e negligências, tais como: dirigir depois de beber e dizer que dirige melhor depois que bebe; sair rápido e cortar a frente dos outros nos cruzamentos para mostrar ao filho que é “o bom”; fazer ultrapassagens perigosas para impressionar os filhos ou quem mais esteja dentro do carro; transportá-los sem a cadeirinha ou dispositivo de segurança adequado à idade.
Os pais não estão percebendo que os filhos, em algum momento de suas vidas, imitarão tudo que eles fazem, inclusive as besteiras no trânsito.
O que estará contribuindo para a formação do filho como cidadão e como motorista ao ensiná-lo a dirigir o carro da família antes de ir para a autoescola com a justificativa de que quando começar o processo de habilitação terá menos dificuldades e saberá mais que o instrutor?
Quando era funcionária pública de carreira e trabalhava no AG da Velha conheci um avô que se orgulhava do fato do neto de 14 anos levá-lo ao ambulatório para as consultas e de fazer todas as corridas de carro no bairro. Orgulhoso, ele dizia que a criança dirige melhor do que qualquer adulto por aí. Vejam ao que estamos expostos no dia a dia, leitores!
O resultado é aquele aluno que quando entrar para a autoescola será desafiador, cheio de vícios na direção, que se exibe ao volante com o instrutor do lado e ainda avisa para que economize as pisadas no pedal com comando duplo, mas que não sabe nada e não se preocupa em saber sobre legislação de trânsito, placas de sinalização, sobre respeito às leis e regras de convivência.
Fala-se e defende-se muito educação para o trânsito na escola como se fosse obrigação somente da escola educar os nossos filhos. Ignoram que a educação escolar é complemento da base que a criança recebe na própria família. E quando a base é ruim, estragada, sem suporte?
Por isso, a importância dos pais darem bons exemplos para os seus filhos e ensinarem desde cedo os princípios básicos de convivência em sociedade: respeito, tolerância, paciência, responsabilidade, saber esperar a sua vez e dar a vez ao outro, ser gentil, cortês, educado. Ser cidadão.
Pela quantidade de esbarrões e atropelamentos que se vê com carrinhos de supermercado quando vamos às compras já dá para se ter uma ideia do que as pessoas fazem no trânsito e ensinam negativamente aos seus filhos.
Não adianta evocar as leis só em proveito próprio, para defender interesses particulares, e ignorar que também devemos respeitá-las. E não falo só das leis de trânsito, mas das leis de convivência harmônica em sociedade. E isso começa em casa. Vem de berço.
O que estamos ensinando de bom aos nossos filhos no trânsito?
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