23 de nov. de 2011

Epidemia mortal e invisível acelera no Brasil profundo

As motos já matam mais do que os carros, no Brasil. A virada aconteceu em 2007, e desde então a diferença só vem aumentando. Em 2009, as mortes de motociclistas ultrapassaram as de pedestres e alcançaram o topo do ranking de mortes por acidentes -qualquer tipo de acidente, não só de trânsito. Em 2010, foram 10.134 mortes de motoqueiros, contra 9.078 de pedestres e 8.659 de ocupantes de automóveis, segundo estatísticas do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), tabuladas pelo Estado a partir do site do Datasus.

O mais assustador é que enquanto as mortes por atropelamento caíram 30% quando comparadas às de 1996, as de motociclistas cresceram 1.298% no mesmo período. Nos últimos dez anos, 65.671 motociclistas morreram em acidentes pelo País. É uma quantidade de vidas perdidas equivalente aos soldados norte-americanos mortos durante toda a Guerra do Vietnã.


As mortes de motociclistas são uma epidemia, uma das piores que o Brasil já enfrentou. Mas é uma epidemia silenciosa, pouco divulgada. Mesmo quando o Ministério da Saúde chamou a atenção para o crescimento das mortes no trânsito, de modo geral, há poucos dias, preferiu enfatizar os efeitos nocivos do álcool e sua relação com os acidentes de transporte.

Quando se misturam as mortes de motociclistas às de ocupantes de automóveis e pedestres, na categoria genérica “acidentes de trânsito”, perde-se o foco do problema principal. Nos últimos 15 anos, o aumento das mortes de condutores de motocicletas e motonetas foi 10 vezes maior do que o crescimento do número de vítimas de ocupantes de automóveis. Só armas de fogo provocam mais mortes violentas do que as motos, no País.

Uma das razões de essa epidemia sobre duas rodas não ser percebida é que ela ocorre, principalmente, no interior do Brasil. As maiores taxas de mortes de motociclistas não estão nas grandes cidades. Na verdade, São Paulo está em apenas 13º lugar no ranking das capitais em mortalidade de motociclistas. O Rio de Janeiro, em 15º. A campeã, com uma taxa três vezes maior, é Boa Vista (RR), seguida de perto por Palmas (TO).

Quando se dividem as mortes pela população ou pela quantidade de motos e motonetas que há em cada cidade brasileira, destacam-se municípios do interior do Piauí, áreas rurais do Centro-Oeste e capitais do Norte. São municípios como São Gonçalo do Piauí, Ribeirãozinho (MT) e Aurora do Tocantins.

Em número absolutos, as mortes em cada uma dessas cidades podem não impressionar. São duas, três, dez por ano. Por isso não provocam tanto barulho. Mas, quando somadas, configuram uma epidemia só comparável à provocada pelos assassinatos. As vítimas têm o mesmo perfil: são jovens de 20 a 29 anos, do sexo masculino e baixa renda. Nessa faixa etária, nem câncer, nem infarto nem nenhuma outra doença mata mais do que as motos. Só as armas de fogo.


A principal causa dessa explosão do número de mortes de motociclistas é fácil de identificar: o aumento explosivo do número de motos em circulação. De 2000 a 2010, a frota de duas rodas aumentou 4 vezes de tamanho no Brasil. No mesmo período, as mortes de motociclistas aumentaram exatamente na mesma proporção. Se não bastasse, há uma fortíssima correlação estatística entre a quantidade de motos em circulação em uma cidade e o número de motociclistas mortos, um coeficiente de 0,9 -num máximo de 1.

O que aconteceu é que o aumento da renda no interior do País associado às facilidades de crédito produziram um “boom” de motos e motonetas. Elas passaram a ser o principal meio de transporte individual do Brasil profundo, aposentando cavalos, jegues e bicicletas. Nessas cidades pequenas do interior, praticamente ninguém morria por acidente de moto antes da segunda metade da década passada -simplesmente porque não havia motos, e onde havia, eram peças raras.

A expansão explosiva da frota de duas rodas associada à imperícia (no caso do interior) e à imprudência (nas metrópoles) é a principal causa da epidemia de mortes de motociclistas. As mortes aumentam a cada ano, junto com o tamanho da frota.



A taxa de mortalidade pela frota dobrou de cerca de 4 por 10 mil motos em 1998 para pouco menos de 8/10 mil motos em 2006. Desde então ela vem caindo, até chegar a 6,2/10 mil motos no ano passado. É uma taxa bem maior do que a de mortes de ocupantes de automóveis, que tem se mantido estável em pouco mais de 2/10 mil automóveis. Ou seja: é três vezes mais provável um motociclista morrer num acidente do que o ocupante de um carro.
Isso mostra que se não houver políticas públicas para enfrentar o problema, cada vez mais jovens morrerão no interior do Brasil, assim como nas metrópoles, à medida que a frota de duas rodas continuar acelerando. Já são 28 por dia.

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