Na sala de aula, Giuliani estimual os alunos a contabilizarem as vítimas do trânsitoFoto: Mauro Vieira
O professor Ricardo Giuliani entrou na sala de aula da Univesidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) às 19h30min de ontem e não tardou a perguntar aos alunos da disciplina de Teoria Geral do Direito:
– Quantos?
Os alunos, que já esperavam pelo questionamento, responderam de pronto.
– Trinta e oito – disseram alguns.
– Trinte e seis – contrapuseram outros.
O professor interveio:
– Isso mesmo. Trinta e seis. E de quem foi a culpa desta vez? Das pobrezinhas das árvores que estavam no meio do caminho? Dos barrancos na beira da estrada?
Os 36 a que Giuliani e os alunos aludiam eram os mortos no trânsito gaúcho durante o feriadão de Corpus Christi. E o diálogo de ontem era a repetição de uma cena que ocorre há seis anos nos minutos iniciais de todas as aulas do subchefe da Casa Civil no governo Olívio Dutra (1999-2002).
Para chamar a atenção dos estudantes para a mortandade nas estradas e avenidas, Giuliani abre os trabalhos promovendo uma contagem dos mortos do fim de semana e somando-as às que ocorreram desde a abertura do ano letivo. Se foram 12 mortes no sábado e no domingo, ele aponta uma fileira de classes:
– Esta fileira foi dizimada no fim de semana.
Quando o número de vítimas se equipara ao do total de alunos (no caso da turma deste semestre são 61), o docente de 47 anos faz um escarcéu:
– Onde estão os meus alunos? Foram todos dizimados no trânsito! A turma inteira se perdeu!
A iniciativa de Giuliani é uma forma de conferir dimensão concreta aos números frios de mortos que se acumulam a cada fim de semana. Ao relacionar a quantidade de vítimas com o das pessoas em sala de aula, diz ele, os alunos conseguem se dar conta da perda de vidas que está em processo nas estradas do Estado.
– A gurizada não tem dimensão do morticínio que é o trânsito. Eu mostro o que significam os 15 mortos de um fim de semana, os oito de outro, os 10 do seguinte. Quando se completa o número de alunos da turma pela primeira vez, é aterrorizante. Eu faço um escândalo, senão as mortes se banalizam. Sem isso, os números perdem significado – diz Giuliani.
O professor conta que teve a ideia viajando pela BR-116 a caminho da Unisinos e vendo as barbaridades cometidas no trânsito por jovens da idade de seus pupilos. Resolveu que precisava fazer uma intervenção em sala de aula. Seus alunos, futuros advogados, juízes e promotores, não podiam ficar mergulhados nos códigos, sem perceber o que estava acontecendo no mundo real, refletiu.
O esforço tem dado resultado. Os universitários participam das discussões, comentam que abordaram o assunto em casa, relatam mudanças de atitude. Às vezes algum até aparece para relatar que resolveu vender a moto por causa dos alertas em sala de aula.
– No começo, a gente não dava muita bola. Depois, começamos a ver os números aumentar. No final das contas, vira uma coisa bem chocante. Hoje todo mundo interage e comenta os casos de acidentes na turma. – conta um dos estudantes, Matheus Vigano Flores, 21 anos.
*Colaborou Letícia Barbieri
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