4 de ago. de 2014

Reflexões de Irene Rios sobre o ato de transitar

Percebo que há muito faz-de-conta nas ações de educação para o trânsito desenvolvidas, muitas vezes, parece que o objetivo não é provocar a mudança de atitudes das pessoas e a redução da violência viária, mas sim mostrar à sociedade que está sendo feito alguma coisa. Há muita preocupação com a quantidade, com a divulgação dos números de habitantes ou de alunos atingidos nas campanhas e programas educativos para o trânsito. Será que todas as pessoas que participaram das ações educativas foram atingidas? Será que as pessoas “atingidas” estão educadas para o trânsito? Apenas quantidade não traz os resultados necessários. Precisamos de qualidade.

A responsabilidade pelo trânsito caótico que temos hoje é do ser humano, principalmente daquele que é negligente e imprudente no trânsito. Porém a responsabilidade é também daquele ser humano que não fiscaliza os motoristas, daquele que não sinaliza as rodovias corretamente, daquele que quer apenas vender os automóveis sem preocupação com a segurança, daquele que vende bebida alcoólica e permite que seu cliente vá embora do bar dirigindo após beber álcool, daquele que não orienta (pais, professores, agentes de trânsito, instrutores de CFC, entre outros) quando poderia e deveria fazê-lo. Por outro lado, quem tem grande responsabilidade sobre o trânsito caótico é também o ser humano que está no governo e não prioriza a segurança e a fluidez no trânsito em suas políticas públicas, que não fiscaliza os estados e os municípios sobre o cumprimento das leis de trânsito dirigida a essas instituições.

Penso que as pessoas não mudam suas atitudes no trânsito por vários motivos: um deles é por que não foram sensibilizadas, nem motivadas a refletir sobre o risco que correm sendo imprudentes nas vias e não consideram a mudança de atitudes significativa. Outro motivo é o excesso de confiança, muitos motoristas pensam que nunca vão se envolver em uma violência de trânsito, porque se consideram “ótimos motoristas” ou porque acreditam que “Ninguém morre antes da hora”. Há também, a questão cultural, cometer infração de trânsito faz parte do folclore, é uma tradição que passa de pai para filho, nos anos 60, Roberto Carlos já dizia em suas canções: “vinha voando com meu carro”, “parei na contramão”. Hoje continuamos tendo influências de atitudes incoerentes no trânsito, vemos as celebridades cometendo infrações, nas telenovelas e em outros programas de entretenimento, por exemplo. Há ainda outros motivos como: a impunidade, a falta de conhecimento, a inversão de valores, entre outros. É importante a realização de uma pesquisa com os infratores, a fim de verificar o que está por trás da infração.

A colaboração dos professores à educação para o trânsito é imprescindível. Eles estão boa parte do tempo com as crianças e com os adolescentes e podem realizar um bom trabalho e com continuidade. É importante que a educação para o trânsito seja permanente, não basta dar aulas ou palestras esporádicas de boas condutas no trânsito. Por melhor que seja a atividade, mesmo que tenhamos conseguido um bom índice de aprendizagem, se não falarmos mais no assunto, surgirão outros interesses aos participantes e os conhecimentos adquiridos naquela aula ou palestra poderão desaparecer. Por isso é importante, capacitar os professores, sensibilizando-os para a necessidade de trabalhar o tema trânsito com as crianças e os adolescentes e demonstrando as metodologias que podem ser usadas na educação para o trânsito.

As ações para promover a mudança de atitudes no trânsito devem estar focadas nas causas da violência viária, é importante pesquisar a raiz do problema e combate-lo a partir deste ponto. Se a maior causa de violência no trânsito é o uso do celular ao volante, é preciso orientar as pessoas sobre o risco dessa atitude. Há, no entanto, muitas pessoas que conhecem esses riscos e mesmo assim falam ao celular quando estão dirigindo. Por isso é importante pesquisar também as causas dessa atitude de risco no trânsito. Se o problema é a inversão de valores e a falta de sensibilidade, por exemplo, é necessário trabalhar a educação de valores e a educação sensível.

Aperfeiçoar a capacidade de atenção das pessoas representa uma grande contribuição para a segurança no trânsito, já que uma das principais causas da violência viária é a falta de atenção. Um segundo de desatenção no trânsito, de distração no volante ou ao transitar a pé, pode ser fatal. A prática da atenção exige escolhas as quais requerem que deixemos, muitas vezes, algo de lado. O motorista, enquanto dirige, por exemplo, deveria deixar de atender ao celular, a uma ligação de sua companheira - uma situação que poderia lhe proporcionar uma conversa prazerosa, para não prejudicar sua atenção no trânsito. A prática da atenção, muitas vezes, exige sacrifício. Mas, em prol da vida, qualquer sacrifício vale a pena!

É preciso sensibilizar para formar um homem ético, um ser humano que tenha autonomia e saiba fazer escolhas, que faça as escolhas certas, que dê preferência à segurança, à saúde e à vida.

Ver o mundo apenas de modo prático, além da insensibilidade, estimula a falta de honestidade e a falta de solidariedade - valores indispensáveis no ambiente do trânsito. Olhar para o outro procurando apenas obter vantagens, preocupar-se só com as questões sociais e práticas, torna os cidadãos mais individualistas e incapazes de conviver em um espaço compartilhado, como o das vias. Além disso, essa praticidade incentiva a falta de harmonia, de tranquilidade e de segurança no trânsito.
Por outro lado, olhar o mundo e dar oportunidade para o sentimento fluir, permitindo que os sentidos atuem, poderá proporcionar profundas emoções, importantes reflexões e grandes transformações. Por isso, a importância de uma educação para o trânsito que comova o público alvo e que provoque a reflexão sobre as consequências das atitudes nas vias.

No trânsito, há muitas pessoas com olhos perfeitos, porém “cegas”, incapazes de ver as sinalizações presentes nas ruas, necessárias para a fluidez e a segurança viária; incapazes de perceber que, no interior dos veículos, há seres humanos com direitos iguais aos delas; incapazes de enxergar que o seu espaço termina onde começa o do outro. Há indivíduos que não percebem os riscos de uma imprudência no trânsito, como falar no celular ao dirigir, fazer uma ultrapassagem perigosa, dirigir em alta velocidade, conduzir veículo automotor após ingerir bebida alcoólica, dentre outros. Existem muitas pessoas que olham a violência viária, o sofrimento de um pai que perdeu o filho, a criança que chora a falta da mãe, o jovem numa cadeira de rodas, mas não enxergam, não fazem o movimento interno para buscar informações e significações, e continuam sendo infratores de trânsito. Precisamos de educação sensível para o trânsito!!


Formar um condutor não é apenas ensiná-lo a dirigir veículo automotor, é também prepará-lo para ser um motorista responsável e ético. Essa formação não é possível apenas com as aulas no Centro de Formação de Condutores, ela deve iniciar durante a infância, na família e na escola. O ideal é que o jovem, ao chegar no CFC, já tenha a personalidade formada, já saiba que valores farão diferença em sua vida, é importante que o aprendiz de motorista tenha clareza sobre a importância e a responsabilidade do ofício de dirigir.

Muitas pessoas estão tão acostumadas à insensibilidade no trânsito que, quando percebem que alguém está olhando para elas, nesse ambiente, ficam incomodadas e procuram afastar-se dessa situação. O que faz as pessoas agirem dessa maneira, sem olhar, sem sentir, sem perceber e sem refletir sobre o que está em sua volta?

A violência viária acontece em todo lugar, não há faixa etária, nem classes sociais e culturais eleitas para serem vítimas do trânsito, é como se a sociedade estivesse sendo contagiada por uma epidemia. Qualquer um de nós pode ser atingido por esse mal, a qualquer momento.

As propagandas de cerveja e as músicas influenciam o uso de bebidas alcoólicas nas festas, bares e baladas. Muitas pessoas que estão nesses ambientes dirigem após beber. Provavelmente, se os conteúdos das propagandas e das músicas que incentivam o uso de bebidas alcoólicas forem avaliados e censurados, tenhamos mais êxito nas campanhas de educação para o trânsito e, consequentemente, a mudança de comportamento das pessoas que bebem e dirigem.

Se as pessoas forem capazes de se modificar por meio da sensibilidade, a sociedade consequentemente será modificada. Desta forma, a educação para o trânsito, a partir de suas campanhas educativas, programas e demais atividades, tem a oportunidade de sensibilizar a sociedade e, por meio dessa percepção sensível, possibilitar a reflexão e a diminuição dos índices de violência viária.

Educar para o trânsito é um desafio. Apesar do alto índice de violência viária, parece que há pouca percepção sensível por parte das pessoas para esse problema social. As ações realizadas estão muito aquém do que é necessário e não estão provocando as mudanças necessárias para transformar essa realidade. Percebemos isso ao observar o comportamento individualista, apressado e agressivo das pessoas nas vias e na grande quantidade de notícias sobre violência no trânsito publicada nos jornais. Perante essa situação, faz-se necessária uma análise das ações educativas de trânsito a fim de avaliar como está a percepção e a aceitação dessas atividades. Além disso, há a necessidade de buscar estratégias que tragam os resultados que tanto precisamos para a segurança e a tranquilidade viária.

O desafio da educação para o trânsito é convencer a sociedade de que a maior prejudicada pelas infrações de trânsito é ela. O desafio é convencer o povo a fiscalizar e denunciar o infrator e a exigir segurança viária. Isto é possível, já acontece em outros países, já acontece no Brasil, com os fumantes, se tiver alguém fumando em ambiente fechado, as pessoas denunciam. Vamos denunciar também o infrator e não protegê-lo, avisando onde há blitz!

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